A imprensa internacional reproduz despachos diários de Caracas sobre o conflito entre o governo marxista e a oposição. Isso acabará ou não em guerra civil aberta? É provável que esta venha a tardar, mas quanto maior for a demora, mais terrível será. O único meio de evitá-la é uma fortíssima e contínua pressão internacional sobre o regime para que respeite a ordem jurídica.
Como mostram incontáveis artigos e notícias, a situação na Venezuela torna-se cada dia mais insustentável, aparentemente a caminho do colapso econômico final, sem que se saiba de modo exato quando este ocorrerá. Por muitos lados parece iminente, pois as medidas do governo procuram de modo sistemático apenas atenuações mais o menos pequenas, sem implementar qualquer política conducente a uma solução de fundo.
Socialismo funciona mal por todos os lados — fracasso irremediável
Com efeito, além da ilegitimidade insanável dos princípios marxistas, sucede que o governo não toma nenhuma medida para restabelecer a normalidade econômica e social, por exemplo cortando a torrente de dinheiro desperdiçado pela Venezuela no sustento dos demais países comunistas e pró-comunistas da América Latina, como Cuba, Bolívia e Nicarágua. Nos últimos três anos foram 18 bilhões de dólares, sem qualquer resultado. Mas Maduro e Fidel Castro não querem obviamente que se dê esse passo, ruinoso para este último.
Outra medida seria ajustar o preço interno dos derivados do petróleo até aproximá-lo dos preços internacionais, ou seja, ao valor real desses produtos, o que daria algum alívio econômico ao Estado, que no fundo paga por quase todo esse consumo. Mas isto também causaria uma forte diminuição da popularidade do governo, uma vez que esses preços praticamente se decuplicariam, causando um aumento de todos os demais preços do comércio venezuelano. E por isso o governo não quer proceder dessa maneira, embora o prejuízo nacional aumente a cada dia.
Igualmente, se o Estado venezuelano saldasse suas dívidas com as empresas privadas, permitir-lhes-ia continuar produzindo com alguma normalidade. Mas ele não o faz, porque sua política consiste em demolir a economia privada nacional, sem importar-se muito com o efeito simultâneo de destruir junto à população o pouco que ainda resta de prestígio ao “socialismo bolivariano”. Afinal de contas — parece ponderar —, se isto continuar, teremos de reprimir…
Os exemplos poderiam multiplicar-se indefinidamente com a insuficiência dos salários pagos pelo Estado aos empregados e operários dele dependentes, totalmente defasados devido ao aumento constante do custo de vida, já que a inflação venezuelana é a mais alta das Américas. A isto cumpre acrescentar o efeito da emissão monetária inorgânica produzida nos últimos meses. Obviamente, tal situação não deveria continuar, mas o simples reajuste de salários tampouco resolveria o problema, pois a política do governo é errada de início ao fim.
A Venezuela já caiu na trágica situação de cessar parcialmente os pagamentos em suas relações econômicas internacionais. O que só tende a se agravar, afetando um setor depois de outro da economia e repercutindo nos diversos aspectos da vida diária da população, em um processo que inicialmente pode ter tido problemas mais ou menos contornáveis, mas que a longo prazo tornaram-se crônicos e perturbadores.
De pouco vale remediar o acidental, se se mantém o essencial
A uma vintena de empresas aéreas internacionais, por exemplo, o Estado deve mais de quatro bilhões de dólares, dívida que veio se acumulando durante os últimos anos. Depois de muita demora, sua atitude foi de resolver recentemente pagar “uma parte” a algumas delas, e o resto mais adiante.
Contudo, a essas poucas empresas o Estado pagará somente o que lhes deve desde 2012 e 2013, quando o problema era menos agudo, de modo que no fundo a medida é pouco significativa. O restante da dívida será adiado por tempo indefinido, o que equivale a um escárnio, pois é exigir dessas empresas que financiem os gastos faraônicos do Estado venezuelano.
Isso para não perguntar o que será feito das dívidas com as demais empresas de aviação, às quais o Estado de momento aparentemente nada pagará, ameaçando-as ademais com a suspensão de suas licenças de operar nos aeroportos venezuelanos se elas cancelarem seus voos, não obedecerem normas do governo ou lhe fizerem demasiadas exigências.
Assim, quando se tornar claro que grande parte dessas políticas é um conjunto de medidas meramente dilatórias, ou que o governo fez pagamentos insignificantes, reiniciar-se-ão os protestos, acentuando-se a sensação de crise total; e a negativa do regime em reconhecer essa realidade não fará senão agravar a sensação de descalabro.
Complemento da política econômica do Estado: a repressão
Por ser um governo estatista, favorável à luta de classes, demagógico no uso dos recursos fiscais para a obtenção de maior apoio popular, favorável à igualdade social completa, e indiferente diante da crise que desse modo provoca, Maduro opta por atacar e ameaçar todas as correntes de opinião que não lhe são afins, agravando assim sua impopularidade.
O resultado é que uma parte considerável de seus próprios partidários passa para a oposição, pois fica evidente a inviabilidade de um diálogo sério. Desse modo, a perspectiva é de que a rejeição recíproca entre governo e oposição se acentue fortemente rumo à ruptura total, com a provável eclosão de uma violência nunca vista até o momento.
É útil citar o artigo O que acontece com a Venezuela e com as organizações internacionais, de Ezequiel Vásquez-Ger, publicado no “El País” de Madrid, em 6 de junho último. Ele descreve as condições imperantes na Venezuela e a indiferença das organizações internacionais, que deveriam se pronunciar e impor respeito ao Estado de Direito.
“Na Venezuela, a situação é evidente para os que querem ver: durante os últimos 15 anos o país sofreu a paulatina decomposição de todas as instituições democráticas. Desde o começo do ano, esse processo destrutivo se intensificou. O governo de Nicolás Maduro atacou sistematicamente, reprimiu e criminalizou as manifestações de protestos estudantis indefesos, em alguns casos mediante a prática brutal e ilegal da tortura; perseguiu e prendeu, sem processo judicial, a dissidência política, hoje convertida em resistência; fechou meios de comunicação, limitou o acesso à informação, promoveu a impunidade, confiscou a propriedade privada, impediu a livre circulação dos cidadãos, desprezou o direito à vida, à integridade física, à alimentação e à educação. […]
“Internacionalmente, a situação torna-se evidente quando se observa a atuação da Organização dos Estados Americanos no transcurso do corrente ano. Por meio de dólares e do petróleo, a Venezuela conseguiu controlar, quase em sua totalidade, os votos dentro da dita Organização, a qual não só permaneceu em silêncio a respeito da situação catastrófica que vive a Democracia no país, mas nem sequer permitiu que se debatesse a situação em seu Conselho Permanente.”
Em consequência, a ordem jurídica e a segurança não existem na Venezuela, pois o governo as destruiu de modo sistemático, para reduzir a cinzas a opinião pública e torná-la totalmente inerme diante dos abusos do Poder. Ou seja, a população sente-se acossada pela Guarda Nacional e pela Polícia bolivarianas, pelos tribunais de Justiça dominados pelo Executivo, pela Fiscalia Geral da Nação, que formula as acusações aos opositores, e também pelas hordas de delinquentes que atuam em todas as partes a seu bel-prazer, obviamente porque sabem que o governo as vê com simpatia, como a expressão da “fúria popular” revolucionária.
Por isso os índices de mortes violentas na Venezuela são de longe os mais altos entre os países que não se encontram em guerra declarada. O mesmo sucede com os sequestros, assaltos, roubos e extorsões, fenômenos que aumentaram brutalmente devido ao grande número de máfias, quadrilhas e milícias ilegais, toleradas se não criadas, pelo regime vigente.
Nessas circunstâncias, deve-se temer que o governo de Maduro — apoiado por Cuba, por várias nações de tendência “bolivariana” da América, bem como pelas entidades internacionais por elas formadas, além da Rússia, da China e de vários países dominados pelo islamismo radical —, longe de cair em breve, vá acentuando sua faceta ditatorial, fazendo com que o regime vigente e a própria Venezuela agonizem conjuntamente por longo tempo, em um ambiente ao mesmo tempo caótico, miserável e infernal.
Se o regime se radicalizar, Maduro converter-se-á em demolidor
Se isso suceder, Maduro passará para a História como o demolidor da Venezuela em continuidade a Hugo Chávez, do mesmo modo como Fidel Castro se converteu no demolidor de Cuba. Isso não impede que o regime castro-comunista continue a receber todo tipo de elogios dos oportunistas de sempre, assim como dos fanáticos do igualitarismo e da luta de classes, satisfeitos com o afundamento daquela nação na miséria.
De fato, Maduro já é visto como o demolidor de seu país, diminuindo dia a dia a parte da população que o apoia. Beneficia-se com isso a oposição, que se sente cada vez mais esmagada ao longo de um processo que está se tornando galopante devido ao inescrupuloso apoio da maioria dos governos da região ao regime ditatorial venezuelano. Embora este possa cair de um dia para outro, poderá também durar meses ou anos, o que seria devastador para a Venezuela e altamente daninho para toda a América, tanto ou mais do que a eclosão de uma guerra civil.
A esperança de Maduro vir a ser vencido em uma eleição de vital importância, abrindo-se as vias à normalização do país, é totalmente utópica. Isso porque as contendas eleitorais vêm sendo contaminadas por uma disparidade escandalosa e crescente nas campanhas, com o uso maciço de dinheiro público para seduzir a população, a distribuição entre os partidários do governo de fundos da mesma origem, a utilização sem a menor equidade dos meios de comunicação estatais, e naturalmente o uso também maciço das fraudes eleitorais, pois o regime maneja à vontade todos os mecanismos de controle que deveriam impedi-las.
Por exemplo, na última eleição presidencial de que Chávez participou, o uso do rádio e da televisão por parte deste foi doze vezes maior do que o de Henrique Capriles, o candidato opositor. E se houvesse eleição agora, essa disparidade seria muito maior. Ademais, o regime bolivariano estabeleceu para as massas que lhe são favoráveis, formas de subsídio popular que em muitos casos compensa de sobra a pobreza em que caiu toda a população, de modo que este setor continuará apoiando-o só por cumplicidade.
Quanto mais durar a atual situação, mais cruento e demolidor será o confronto geral, pois, segundo o costume comunista, para manter o Poder nas mãos da minoria vermelha, vale tudo, inclusive as piores brutalidades e que o país caia na mais profunda miséria e nos mais tempestuosos conflitos.
Isso só não se dará caso o comunismo sinta que lhe é absolutamente forçoso tolerar uma mudança de rumo, provocada por uma fortíssima reação da população venezuelana e um apoio internacional muito categórico a ela, o que ainda não aconteceu. Pelo contrário, como dissemos, a maior parte dos governos da América do Sul é cúmplice do chavismo, e se pudesse levaria seus respectivos países pelo mesmo rumo.
A queda do chavismo poderia produzir o colapso do castrismo
Nesse sentido, pesa também o fato de que, se a ditadura bolivariana cair, acarretará de imediato uma crise fortíssima no castro-comunismo na própria Ilha-prisão. Simplesmente porque este não poderá suportar o corte da ajuda econômica venezuelana. Se esta é enorme e ruinosa para o país que a dá, muito maior será sua falta para o regime esquálido que até hoje a recebe. De onde Cuba fazer de tudo para proteger e, ao mesmo tempo, dominar o regime de Maduro.
Mas a diferença entre ambos os países é que, enquanto a população de Cuba já se acostumou à miséria mais negra, com a da Venezuela tal não sucedeu. Ao contrário, a abundância de dinheiro durante mais de uma década de regime bolivariano tranquilizou um tanto a população, permitindo de algum modo ao chavismo instalar-se no Poder e nele se manter. Mas a presente escassez estimula os protestos de rua em um nível de inédita intrepidez, pois ficou claro para todo o país que é indispensável lutar e fazer todos os sacrifícios necessários.
A Venezuela vai sendo transformada em campo de concentração
De outro lado, o isolamento da Venezuela das demais nações, como é típico dos regimes comunistas, já começou a se produzir com a suspensão dos voos de várias companhias internacionais e o encarecimento das passagens aéreas. Estas últimas só farão aumentar, não apenas porque outras companhias suspenderão por sua vez seus voos, mas também pelo fato de o país ir sendo transformado num verdadeiro campo de concentração do qual os venezuelanos podem cada vez menos sair. Mas isto também mostra à opinião pública que o combate é hoje essencial; não em tese, mas de imediato.
Algo de semelhante parece suceder com a desmontagem do parque industrial, privado de todo crédito, da mais elementar segurança jurídica, do poder aquisitivo de toda a população e de qualquer estabilidade. Acrescentem-se a isso as infindas tropelias dos organismos estatais e de seus respectivos funcionários, que tornam quase impossível a vida da maioria da população.
E no que tange às subsidiárias das empresas estrangeiras, some-se a todo o anterior que a tolerância destas a um tal sistema tem limite, pois do contrário equivaleria a que aceitassem seu definitivo despojamento. Tudo isso se transforma assim em estímulo para luta e a urgente necessidade da mesma, porque a estratégia de Maduro poderia chamar-se a de “país arrasado”.
Também sucede que durante décadas a Venezuela viveu do consumo de produtos importados, pagos com o dinheiro oriundo do petróleo. Mas não pode mais arcar com esse enorme gasto, pois muitas de suas vendas foram feitas com pagamento antecipado dos países compradores, em especial da China. Assim, Caracas deve agora simplesmente fornecer-lhes o petróleo vendido, pois o dinheiro correspondente ela já o gastou.
Em consequência, a escassez dos produtos mais essenciais tende a ficar dramática, sem que haja remédio à vista. A escassez tornar-se-á no melhor dos casos rotativa e a população irá se acostumando com as maiores e mais variadas privações, sem conseguir a satisfação de todas as suas necessidades. A alternativa é lutar sem descanso e com ânimo sempre alto, porque o efeito da perseverança é a vitória.
Se para o geral da população as condições são dramáticas, elas são altamente lucrativas para a minoria incondicional do regime, que se transformou em uma máfia parasita do Estado, com acesso a negócios com o mundo oficial que são vedados ao comum das pessoas; ademais de graves desfalques denunciados amiúde pela imprensa.
Dezenas de milhares de cubanos: força decisiva para a conquista
Como pode acontecer tudo isso sem que os conflitos se multipliquem sem medida? Simplesmente porque a Venezuela está invadida por dezenas de milhares de soldados, milicianos, agitadores e pistoleiros cubanos, que atuam de modo ao mesmo tempo clandestino e ostensivo, cometendo crimes e preparando-se para eles, sem que haja a menor possibilidade de serem reprimidos, castigados ou expulsos pelo governo, pois procedem assim por desejo expresso deste; ou antes, em razão do combinado entre ele e a cúpula castrista.
Ademais, as violências que praticam têm por fim amedrontar a população, mostrando-lhe que os abusos poderiam tornar-se muitíssimo maiores, se o governo de Maduro assim o desejar. É o que permitiu a este radicalizar-se de modo notório ultimamente, enquanto a população se manteve paralisada. Apenas nos últimos meses, com os corajosos protestos estudantis e a solidariedade da maioria das demais classes com os mesmos, é que se produziu um impasse entre o governo e a oposição, o qual perdura até agora.
Assim, a ameaça de guerra civil se mantém, com a ditadura dispondo de um poder bélico desproporcionalmente maior do que o da oposição, enquanto os demais países da América mostram uma escandalosa indiferença pelo que sucede na Venezuela, ou simplesmente apoiam sem reservas o regime opressor.
Parece haver um profundo descontentamento no seio das Forças Armadas com a infiltração cubana, sobretudo porque esta se converteu em um poder paralelo à hierarquia oficial. E embora as manifestações castrenses sejam sumamente cautas, o governo lança contínuas denúncias sobre supostas conspirações nos corpos militares, provavelmente para inibir toda reação e para que possa prender oficiais passíveis de se transformarem em opositores.
Protestos estudantis abriram nova etapa no conflito
A resposta do governo à mobilização estudantil foi violenta. De um lado, ele se valeu de hordas de delinquentes fortemente armados — alguns da Guarda Nacional, outros simplesmente anônimos e por vezes encapuzados —, e de outro lado, de organismos judiciais e policiais totalmente facciosos, porque o regime é totalitário.
Um dos líderes da oposição, Leopoldo López, foi perseguido até se entregar. Transcorridos vários meses, não lhe foram feitas acusações verossímeis, porque as gratuitas são abundantes e sempre desprovidas de provas. Por exemplo, a afirmação de que ele estaria preparando um “magnicídio” — o assassinato do Presidente Maduro.
A deputada Maria Corina Machado [foto ao lado e abaixo] foi por sua vez acusada de “assassina” pelo próprio Maduro, o que é perfeitamente ridículo. Ele afirmou que quer vê-la presa, também por suposta tentativa de “magnicídio”. A Fiscalia Geral da Nação, dirigida por Luisa Ortega, esposa de Maduro, deve intervir no caso, naturalmente para endossar a absurda e grotesca acusação.
Analogamente, os prefeitos de San Cristóbal e de San Diego foram presos, acusados, destituídos e julgados de modo parcial, no fundo por terem uma indiscutível liderança sobre suas respectivas cidades; mas também a fim de intimidar outros opositores com prováveis perseguições, para que abandonem suas posições e se dobrem diante das hostes do regime.
Maduro não conseguiu contudo amedrontar os prefeitos, nem suas famílias e relações. A prova é que suas esposas se apresentaram como candidatas para substituí-los — pois estão presos —, tendo ambas obtido estrondosas vitórias. Demonstrou-se assim um claro apoio da população aos prefeitos depostos. Mas isto não impedirá o governo de continuar com os seus abusos, nem a oposição com os seus protestos.
Realmente, devido à falta de princípios morais do governo, a impressão que se tem é de que se está preparando, não um “magnicídio” propriamente dito, mas um simulacro deste destinado ao fracasso e que sirva de pretexto para repressões brutais e indiscriminadas contra toda a oposição. Isto porque as investigações ficariam a cargo de súditos de Maduro, que lhe obedeceriam cegamente nas várias providências, e, sobretudo, nas decisões judiciais.
O princípio mais básico da função governativa exige que todas as acusações lançadas por uma autoridade contra a oposição, em particular em matéria penal, sejam meticulosamente provadas. Se não o forem, devem ser recusadas. Mas a prática no atual regime venezuelano é a sucessão ininterrupta de embustes e calúnias, na aparência com a ideia de que, de tanto repetida, uma falsidade se torne verossímil. É o que parece suceder com a acusação do “magnicídio”.
Diálogo problemático porque seu êxito é muito improvável
Isso tem, entretanto, outra consequência adicional: o diálogo iniciado entre o governo e a oposição fica impossível, pois não se pode tratar de temas graves entremeando-os com imputações caluniosas, ameaças, afrontas, insultos, impropérios e medidas repressivas. E, de fato, o diálogo não tardou em ser suspenso. Houve algumas esperanças de reinício, mas logo se tornou patente que não era possível, pois parte da oposição havia sido maltratada, e o governo suspendido várias vezes os encontros sem explicações válidas.
Em princípio, em qualquer conflito, caso as partes queiram chegar a um entendimento, ou ao menos que a coexistência entre elas se torne possível, cumpre que dialoguem a partir de princípios comuns e com um raciocínio também comum, para chegarem a uma conclusão compartilhada. Isto é precisamente o que faltou no início do diálogo venezuelano e o que augurava desde o começo o seu fracasso: todos os argumentos jurídicos da oposição são recusados pelo governo, por não coincidirem com os pressupostos marxistas nem com própria estratégia deste, cuja única “moral” são as conveniências da revolução.
Algumas pessoas propuseram certos personagens estrangeiros para mediadores nos diálogos,
pensando com isso conferir talvez a estes alguma objetividade. Em tempos de Hugo Chávez houve uma tentativa semelhante, quando se propôs o ex-presidente norte-americano Jimmy Carter para idêntica função. Mas a proposta resultou um grande fiasco quando Carter declarou que estava muito de acordo com a política de Chávez, a quem dava toda a razão — o que, aliás, não constituiu surpresa…
pensando com isso conferir talvez a estes alguma objetividade. Em tempos de Hugo Chávez houve uma tentativa semelhante, quando se propôs o ex-presidente norte-americano Jimmy Carter para idêntica função. Mas a proposta resultou um grande fiasco quando Carter declarou que estava muito de acordo com a política de Chávez, a quem dava toda a razão — o que, aliás, não constituiu surpresa…
É, portanto, de desejar que Carter seja agora descartado, por sua falta de imparcialidade. Tão evidente que, ao morrer Chávez, ele destacou o “compromisso” do falecido com a melhoria nas condições de vida de milhões de pessoas (!), bem como sua “visão” para abordar “profundas mudanças em seu país” e“beneficiar os setores mais esquecidos e marginalizados da população”. Ou seja, pior do que Jimmy Carter só seria mesmo Vladimir Putin…
Mas existe também outra condição a ser preenchida pelo mediador: este não pode estar ao alcance de ataques de nenhuma das partes. Houve propostas para que se nomeasse como árbitro o novo Secretário de Estado da Santa Sé, Cardeal Pietro Parolin, por vários anos Núncio Apostólico na Venezuela. Mas tal proposta parece não ter prosperado, primeiro porque o Vaticano não deu o menor sinal de que fosse aceitá-la, e depois porque o diálogo seria difícil, longo e com poucas possibilidades de êxito, devido às numerosas altercações de Chávez com vários bispos venezuelanos e suas frequentes expressões irreverentes em relação à Igreja.
De outro lado, se o diálogo fracassasse estrepitosamente, como é provável, haveria risco de as represálias do regime bolivariano afetarem a liberdade da Igreja na Venezuela, o que o Sumo Pontífice, como é óbvio, não poderia desejar. Também, as incontáveis ocupações do cardeal Parolin na Secretaria de Estado do Vaticano não lhe permitem assumir uma missão quase intérmina, justamente porque a tática chavista consiste em prolongar a situação enquanto vai assumindo novos controles do Poder e desgastando a oposição.
Mas, à margem dos mediadores, há outro aspecto a ser analisado: é a participação da UNASUR — aliança de nações sul-americanas com governos afins ao chavismo — no diálogo, a cujo respeito transcrevemos parte do artigo “O ‘diálogo’ deve continuar”, escrito por Alek Boyd (“El País”, Madrid, 17 de maio de 2014):
“Cumpre lembrar que a mesma UNASUR anunciou seu apoio, em abril de 2013, a uma auditoria total dos resultados da eleição que Maduro supostamente ganhou. Dita auditoria nunca foi levada a cabo, pelo que a credibilidade dos representantes da UNASUR, como observadores supostamente imparciais, é igual à dos atores [governamentais] já mencionados”. Ou seja, nula.
“[…] O que nenhum dos comentaristas e especialistas de ofício ressaltam é que transcorreu mais de um ano desde aquele apoio a uma auditoria total dos resultados eleitorais, combinado em Lima pela UNASUR e que legitimaria a Nicolás Maduro como Presidente, a qual não se realizou, nem se realizará. Os ‘bem dispostos’ chanceleres da UNASUR não disseram qualquer palavra de discriminação ou crítica a respeito, por considerações econômicas [leia-se: negócios com o chavismo] que são as que ditam a agenda. […]
“O ‘diálogo’ entre as partes não produziu um só resultado: os presos políticos continuam presos e seus ‘processos judiciais’ regidos pela Fiscalia chavista continuam sendo uma farsa; os estudantes continuam sendo presos, torturados e acusados falsamente; os coletivos do terror campeiam livremente; altas autoridades do governo continuam fabricando evidências e denunciando complôs inexistentes; quer dizer, nada mudou. O chavismo não deu nem uma só mostra que indique uma intenção diferente à de manter-se no poder a qualquer custo.”
Pois bem, como esperar algo de positivo no diálogo com tais participantes?
Em meio às trevas, surgem algumas luzes de esperança
Portanto, por muitos lados a situação é opressiva e de algum modo sem muita esperança. Mas há dois aspectos sumamente alentadores, como acontece amiúde nas grandes tragédias que caem sobre os povos. É que estas suscitam energias, espírito de luta, patriotismo e religiosidade que pouco antes pareciam quase extintos ou, pelo menos, profundamente deteriorados, e a cujo influxo se acende uma ardente combatividade que se propaga com celeridade pela multidão.
Com efeito, milhares de jovens saem quase todos os dias às ruas de muitos bairros de numerosas cidades venezuelanas, para expressar pacífica mas energicamente sua rejeição à violência ditatorial, à ilegalidade sistemática, à prepotência irracional e à descristianização do país. E isso eles o fazem depois de ter visto muitas vezes outros jovens como eles caírem massacrados pelos esbirros do regime comunistoide, ou serem presos por prazos cuja extensão é impossível prever e que talvez incluam torturas, porque tudo depende da arbitrariedade insana de um ditador nacional, comunal ou distrital, que em algum canto escuro decide que violências perpetrar, como intimidar, sabendo que tudo ficará impune para ele.
Entretanto, a perspectiva do risco não detém nem assusta os jovens. Pelo contrário, os alenta, pois a presença do ódio que notam contra si é um sintoma de tudo o que se prepara para o país, do perigo que o circunda, não só a ele, mas a todo o Continente, e que urge enfrentar. Estão cônscios de que, se são ameaçados, é porque os agressores veem o perigo que significa para eles a força e o arrojo da combatividade cristã, na qual brilham o idealismo, a apetência pela luta heroica e a generosidade.
Se tal combatividade fosse tudo, ainda seria pouco e insuficiente. Mas a isso se acrescenta uma religiosidade como há décadas não se via, a qual leva os jovens a rezarem, não somente antes de começarem e depois de terminarem as manifestações, mas também durante as mesmas, nas praças, nas ruas e, obviamente, nas situações de perigo. Em muitos deles, é palpável a graça de Deus quando se lançam ao combate e imploram por meio do Rosário à Virgem de Coromoto, Padroeira da Venezuela, que lhes conceda sua proteção, mas, sobretudo, que resgate sua Pátria.
Os estudantes dão assim as costas ao mundanismo, aos interesses pessoais, às conveniências imediatas, às diversões, à frivolidade, e ao próprio instinto de sobrevivência, para abraçarem a causa da salvação nacional, certos da ajuda da Providência Divina e de que essa resistência será assumida por incontáveis outros jovens, junto aos quais lutarão até a vitória.
Há provavelmente mais de um século que não se via algo assim na América, ao menos nessas proporções e com tanta autenticidade. Na realidade, os próprios esquerdistas — falo daqueles que entendem de fato a realidade profunda das coisas, não de seus esbirros — devem estar lamentando profundamente que os irmãos Castro, Chávez, Maduro e outros tiranos tenham levado sua perfídia até ao extremo, como está descrito nas páginas precedentes, suscitando toda essa magnífica reação.
Dentro de alguns dias, Maria Corina Machado, Leopoldo López e muitos outros estarão sendo julgados por juízes venais, aos quais Maduro mandou que os sentenciassem à prisão. Mas inúmeros outros jovens se porfiarão para ocupar seus lugares, tendo isso como um privilégio e uma honra, à espera de lances gloriosos porque árduos, sabendo que muitos outros quererão depois seguir seus exemplos.
É muito provável que não haja publicidade para eles, salvo quando alguém queira difamá-los. Mas sabem que um dia os homens serão julgados considerando apenas o que fizeram, o que os inspirou e as perseguições que enfrentaram. E que aqueles que os julgaram serão por sua vez julgados… A admiração que os heróis suscitarão será mais silenciosa, mas também mais sincera.
É inegável que os jovens estudantes já obtiveram uma conquista de primeira ordem: o fato de que
em todo o mundo civilizado tenha pelo menos quintuplicado o número dos que ouviram falar de sua luta e dos que agora sabem que o regime bolivariano é ditatorial, repressivo e marxista, servindo assim para alertar fortemente a opinião pública de muitas nações contra semelhantes enganos.
em todo o mundo civilizado tenha pelo menos quintuplicado o número dos que ouviram falar de sua luta e dos que agora sabem que o regime bolivariano é ditatorial, repressivo e marxista, servindo assim para alertar fortemente a opinião pública de muitas nações contra semelhantes enganos.
Para encerrar, não me resta senão fazer votos para que esta chama não se apague, mas, ao contrário, continue servindo de exemplo aos jovens de outras latitudes, a fim de que, sempre que for necessário, eles optem pelo combate legal, pacífico e intrépido, e pelo revigoramento do autêntico espírito religioso contra os inimigos da Cristandade.
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