O Ministério da Educação está preparando
uma Revolução Cultural que transformará Mao Tsé-Tung em um moderado pedagogo,
quase um “reacionário burguês.” Sob o disfarce de “consulta pública”, pretende
até junho “aprovar” uma radical mudança nos currículos dos ensinos fundamental
e médio — antigos primeiro e segundo graus. Nem a União Soviética teve coragem
de fazer uma mudança tão drástica como a “Base Nacional Comum Curricular.”
No caso do
ensino de História, é um duro golpe. Mais ainda: é um crime de lesa-pátria. Vou
comentar somente o currículo de História do ensino médio. Foi simplesmente
suprimida a História Antiga. Seguindo a vontade dos comissários-educadores do
PT, não teremos mais nenhuma aula que trata da Mesopotâmia ou do Egito. Da
herança greco-latina os nossos alunos nada saberão. A filosofia grega para que
serve? E a democracia ateniense? E a cultura grega? E a herança romana? E o
nascimento do cristianismo? E o Império Romano? Isto só para lembrar temas que
são essenciais à nossa cultura, à nossa história, à nossa tradição.
Mas os
comissários-educadores — e sua sanha anticivilizatória — odeiam também a
História Medieval. Afinal, são dez séculos inúteis, presumo. Toda a expansão do
cristianismo e seus reflexos na cultura ocidental, o mundo islâmico, as
Cruzadas, as transformações econômico-políticas, especialmente a partir do
século XI, são desprezadas. O Renascimento — em todas as suas variações — foi
simplesmente ignorado. Parece mentira, mas, infelizmente, não é. Mas tem mais:
a Revolução Industrial não é citada uma vez sequer, assim como a Revolução
Francesa ou as revoluções inglesas do século XVII.
O apagamento
da História, ao estilo Ministério da Verdade de “1984,” não perdoou a história
dos Estados Unidos — neste caso, abriu exceção somente para a região onde
esteve presente a escravidão. Do século XIX europeu, tudo foi jogado na lata de
lixo: as unificações alemã e italiana, as revoluções — como a de 1848 —, os dilemas
político-ideológicos, as mudanças econômicas, entre outros temas clássicos e
indispensáveis à nossa História.
Os policiais
da verdade não perdoaram também a História do Brasil. Os movimentos
pré-independentistas — como as Conjurações Mineira e Baiana — não existiram, ao
menos no novo currículo. As transformações do século XIX, a economia cafeeira,
a transição para a industrialização foram desconsideradas, assim como a relação
entre as diversas constituições e o momento histórico do país, isto só para ficar
em alguns exemplos.
Mas, afinal, o
que os alunos vão estudar? No primeiro ano, “mundos ameríndio, africanos e
afro-brasileiros.” Qual objetivo? “Analisar a pluralidade de concepções
históricas e cosmológicas de povos africanos, europeus e indígenas relacionados
a memórias, mitologias, tradições orais e a outras formas de conhecimento e de
transmissão de conhecimento.” E também: “interpretar os movimentos sociais
negros e quilombolas no Brasil contemporâneo, estabelecendo relações entre
esses movimentos e as trajetórias históricas dessas populações, do século XIX
ao século XXI.” Sem esquecer de “valorizar e promover o respeito às culturas
africanas, afro-americanas (povos negros das Américas Central e do Sul) e
afro-brasileiras, percebendo os diferentes sentidos, significados e
representações de ser africano e ser afrobrasileiro.”
No segundo ano
— quase uma repetição do primeiro — o estudo é sobre os “mundos americanos.”
Objetivo: “analisar a pluralidade de concepções históricas e cosmológicas das
sociedades ameríndias a memórias, mitologias, tradições e outras formas de
construção e transmissão de conhecimento, tais como as cosmogonias inca, maia,
tupi e jê.” Ao imperialismo americano, claro, é dado um destaque especial. Como
contraponto, devem ser estudadas as Revoluções Boliviana e Cubana; sim, são
exemplos de democracia. E, no caso das ditaduras, a sugestão é analisar o Chile
de Pinochet — de Cuba, nem tchum.
No terceiro
ano, chegamos aos “mundos europeus e asiáticos.” Se a Guerra Fria foi ignorada,
não foi deixado de lado o estudo da migração japonesa para o Paraguai na
primeira metade do século XX (?). O panfletarismo fica escancarado quando
pretende “problematizar as juventudes, discutindo massificação cultural,
consumo e pertencimentos em diversos espaços no Brasil e nos mundos europeus e
asiáticos nos séculos XX e XXI.” Ou quando propõe “relacionar as sociedades
civis e os movimentos sociais aos processos de participação política nos mundos
europeus e asiáticos, nos séculos XX e XXI, comparando-os com o Brasil
contemporâneo.”
Quem assina o
documento é o ex-ministro da Educação Renato Janine Ribeiro, um especialista
brasileiro em Thomas Hobbes. Porém, Hobbes ou o momento em que viveu (o século
XVII inglês) são absolutamente ignorados pelos comissários-educadores. Para
eles, de nada vale conhecer Hobbes, Locke, Platão, Montesquieu, Tocqueville,
Maquiavel, Rousseau ou Sócrates. São pensadores do mundo europeu. O que importa
são as histórias ameríndias, africanas e afro-brasileiras.
O documento
está recheado de equívocos, exemplos estapafúrdios, de panfletarismo barato, de
desconhecimento da História. Os programas dos cursos universitários de História
foram jogados na lata de lixo e há um evidente descompasso com a nossa produção
historiográfica. A proposta é um culto à ignorância. Nenhuma democracia no
mundo ocidental tem um currículo como esse. Qual foi a inspiração? A Bolívia de
Morales? A Venezuela de Chávez? A Cuba de Castro? Ou Lula, aquele que dissertou
sobre a passagem de Napoleão Bonaparte pela China?
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